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A prisão preventiva deve ser fundamentada – art. 312 do CPP

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Sustenta-se o óbvio quando se afirma que a prisão preventiva deve ser fundamentada:

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) possui entendimento firme que a prisão preventiva deve ser devidamente fundamentada, sob pena de ensejar em relaxamento da prisão.

Bem, mas não era meio óbvio? Qual a razão da resistência?

As prisões preventivas têm se mostrado um verdadeiro desafio para o judiciário brasileiro.

Existe um problema crônico no nosso judiciário, que se traduz no acumulo sucessivo de processos penais, o que atrai uma série de consequências.

Dentre tais problemas está o uso o prolongado e excessivo da chamada prisão preventiva (espécie de prisão cautelar).

Não é incomum que o tempo que o acusado passa segregado de forma preventiva supere a pena final cominada (sim, isso acontece).

Outro problema que aflige o judiciário diz respeito a morosidade para apreciar o mérito, o que pode ensejar em eventual prescrição, seja intercorrente ou com base na pena in concreto.

De qualquer modo, são duas graves chagas. De um lado a morosidade excessiva e de outro a banalização das prisões cautelares.

Dois temas muito relevantes e que suscitam as mais diversas reflexões sobre o tema.

Porém, hoje falaremos um pouco sobre a vulgarização das prisões cautelares, o que inclui a preventiva (art. 312 do CPP), que se agrava pela massificação (leia-se: repetição) das fundamentações destes decretos prisionais.

Prisão preventiva – art. 312 do CPP: comentários rápidos

Assim como a prisão temporária, a preventiva constitui, também, medida cautelar. Porém, estas possuem finalidades distintas, além de outras diferenças.

Uma das distinções basilares entre as duas espécies de cautelares, é que na prisão preventiva não se fala em prazo máximo (porém sua necessidade deve ser revista a cada 90 dias – art. 316, parágrafo único, do CPP).

 

Outra diferença em relação a cautelar do tipo prisão temporária é que a preventiva poderá ser decretada independentemente de qual a fase esteja o feito, isto é, pouco importa se se trata de fase policial (inquérito) ou judicial (art. 311 do CPP).

A prisão preventiva será decretada quando se mostrar necessário o cumprimento das exigências do art. 312 do CPP:

O pacote anticrime alterou vários aspectos na legislação penal, processual penal e de execução penal.

Dentre tais mudanças, estão aquelas feitas na prisão preventiva. Apesar de parecerem sutis, foram de grande relevância.

Após o pacote anticrime, o caput do art. 312 do CPP foi alterado. Atualmente, para que seja decretada a prisão preventiva, se mostra indispensável o pedido de prisão indique:

Prova da existência de crime”

Indício suficiente de autoria”

Perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”

São requisitos cumulativos, portanto, atenção.

Além disso, é preciso que se demonstre a incidência de um (dos requisitos, pelo menos) dos seguintes elementos para fins de assegurar a:

 

garantia da ordem pública”

da ordem econômica”

conveniência da instrução criminal”

assegurar a aplicação da lei penal”

Portanto, para que se demonstre a ocorrência de modo, concreto, a existência dos referidos elementos.

Por contra disso, o STF possui entendimento que para a expedição da cautelar do tipo prisão preventiva, deve existir a demonstração concreta da necessidade da prisão, que não se presume ou se sustenta por meras conjecturas.

“[…] O art. 312 do CPP exige a prova da existência do crime. O decreto prisional, no entanto, descreve de forma genérica e imprecisa a conduta do paciente e não deixa claro, em nenhum momento, os delitos a ele imputáveis e que justificariam a prisão preventiva. A Turma reiterou entendimento do STF no sentido de que a liberdade de um indivíduo suspeito da prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos, e não apenas em hipóteses ou conjecturas, na gravidade do crime ou em razão de seu caráter hediondo (STF. 2ª Turma. HC 157.604/RJ, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/9/2018 (Info 914))”.

STF agiu corretamente?

Entendemos que sim! Então, qual o problema? O problema é o STF ter que, diversas vezes, decidir o óbvio.

Não fundamentar uma decisão nada mais é do que o descumprimento do que dispõe o inciso IX, do art. 93 da CF:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: […] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

 

Cabe ao judiciário fundamentar as razões do seu decidir, não bastando motivos casuísticos ou mesmo genéricos que pouco adentram nas circunstâncias fáticas e podem ser replicados ao processo de “A” e de “Z” sem distinção.

A decisão deve ser embasada em fatos e não no mero “achar”.

Sobre o julgado exposto acima:

Poderia ser apenas mais uma decisão compondo um informativo qualquer, porém a questão é que isto se repete corriqueiramente nos juízos de 1ª instância de todo o país e nem todos tem os recursos e aparato para irem até o STF ou mesmo ao STJ.

Posição do STF

O STF entende que a fundamentação do decisum emitido pelo douto Magistrado deve se atentar aos fatos concretos, sem se render a elementos meramente abstratos (de perigo abstrato).

O STF sempre mostra uma postura forte ao afirmar que as decisões devem ser devidamente fundamentadas, inclusive súmulas carregam tal entendimento, como é o caso dos verbetes de n° 718 e 719, do STF, que versam sobre a imprescindibilidade da devida fundamentação.

O julgado comentado acima é anterior ao pacote anticrime:

Apesar de o julgado destacado acima ser anterior as alterações promovidas no pacote anticrime, que alterou sobremaneira o art. 315 do CPP de modo a fixar balizas e orientações sobre como fundamentar de forma correta um decisum, seja sentença ou decisão que decreta prisão preventiva de outrem.

Ainda é corriqueiro que as decisões judiciais não se atenham aos preceitos legais ou mesmo jurisprudenciais, o que causa um verdadeiro embaraço jurisdicional que, por consequência, acarreta em violações de direitos.

 

A fundamentação, seja ela insuficiente, inexistente ou dissonante dos autos não poderá ser tida como apta para segregar alguém de forma preventiva. O decreto prisional deve evidenciar a existência dos elementos do art. 312 do CPP, além da contemporaneidade (art. 315, § 1º do CPP).

Não obstante, ainda é necessário submeter a decisão aos critérios do art. 315 do CPP, de forma que, por exemplo, não se poderá falar em “devida fundamentação” se a decisão se preocupa apenas em se utilizar de conceitos jurídicos indeterminados” sem que se aponte de forma concreta (palpável) como estes se correlacionam com os autos e os elementos verificáveis. Não pode, por exemplo, que o juiz se apegue a uma “suposta periculosidade” que não é verificável no caso concreto.

Enfim, a prisão preventiva deve estar amparada em uma devida fundamentação

Entendemos que o mandamento constitucional imposto no inciso IX, do art. 93, da CF/88 é uma via de mão dupla, sendo um dever do judiciário e um direito fundamental do jurisdicionado.

Portanto, sua inobservância acarretará em ilegalidade e relaxamento da prisão do impetrante.

No mais, o pacote anticrime andou bem ao inserir os critérios do art. 315 do CPP, para fins de verificação da idoneidade do decisum.

Esperamos que em um futuro próximo tanto a lei a jurisprudência sejam devidamente respeitados. Assim, é inconteste, que a prisão preventiva deve ser fundamentada.

Veja mais posts em:

Prazo em dias úteis no Juizado Especial Cível (Lei 9099/95)

Confissão espontânea – art. 65, inciso III, “d”, do CP

Ação de retificação de registro civil – Lei 6.015/73

Fontes:

Informativo 914 do STF

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