1 – A cultura do cancelamento e a internet
A expressão “cultura do cancelamento” vem ganhando força e destaque em nosso cotidiano. Mas afinal, do que se trata essa tal “cultura do cancelamento”? Podemos inferir que o cancelamento, melhor, a prática de cancelamento, consiste na exposição vexatória e geralmente exagerada em redes e mídias sociais. É um comportamento imoderado por parte dos usuários das redes e mídias sociais, um verdadeiro abuso de direito. Assim sendo, veremos aqui as implicações da cultura do cancelamento na vida real.
É indiscutível que as redes e mídias sociais constituem o meio mais democrático de acesso a informação e de liberdade de expressão.
Talvez o grande sucesso das redes sociais seja exatamente isso, o “poder” de se manifestar-se de modo amplo e não apenas isso, mas também de ser visto e ouvido.
Mas não precisamos nem dizer que a liberdade de expressão possui limites. Mas qual o limite da liberdade de expressão?
O problema é exatamente esse, chegar a um consenso sobre o exato limite da liberdade de expressão. Muitas vezes esse limite está no bom senso. Mas a questão é que a cultura do cancelamento, sobretudo quem a promove, não costuma seguir qualquer parâmetro de razoabilidade e bom senso.
2 – Ausência de contraditório e ampla defesa
Em outro momento já fizemos algumas reflexões sobre o direito de imagem e as mídias sociais e sobre o impacto que o uso indiscriminado das redes pode acarretar na de vida de outrem.
Dentro do escopo da cultura e prática do cancelamento há, também, a exposição desmedida da imagem de terceiros. Basta um erro, pequeno ou grande, para que alguém fique sob a mira do cancelamento.
Contudo o que muitos ignoram é que existem implicações da cultura do cancelamento. O grande problema do exercício do cancelamento e da aderência ao tribunal da internet é a inviabilidade ou mesmo a incapacidade de o “cancelado” (ou seria acusado?) exercer na mesma intensidade o contraditório e a ampla defesa.
O cancelado (ora ofendido) que, mais uma vez, não tem a chance de se defender em igual proporção, será alvo de inúmeras consequências, desde a degradação da imagem a perda de contratos e trabalhos. As repercussões podem ser irremediáveis.
3 – Implicações da cultura do cancelamento
Mas o que muitos ignoram, principalmente os canceladores, é que toda ação tem uma reação.
Apesar disso, as implicações jurídicas do cancelamento costumam atingir um patamar muito mais elevado e que passa a ser desarrazoado ao passo que, geralmente, não guarda proporcionalidade com o caso concreto.
E mais, GERALMENTE, mesmo em casos que parecem “absurdos” e que mereceriam o escárnio social, temos acesso apenas a parte pequena e as vezes dissociada da realidade do fatos. Mais uma vez, no “Tribunal da Internet” não existe contraditório, não existe possibilidade justa de plena defesa.
Mas e se depois de todo o “processo de cancelamento” os fatos que levaram o indivíduo a ser cancelado se mostrarem falsos ou distorcidos? O que vai acontecer? E os indivíduos que foram prejudicados?
É basicamente isso que veremos aqui, ou seja, as implicações da cultura do cancelamento.
As implicações são basicamente as seguintes: dano moral, dano material e prática de crimes. Não é incomum que os habituais “canceladores” usem de ofensas e adjetivos vexatórios para massacrar a imagem do cancelado.
Portanto, o cancelamento pode acarretar em repercussões cíveis e criminais.
4 – Dano moral – ofensa a imagem e ao patrimônio moral.
Imagine que determinado indivíduo foi ofendido nas redes sociais a pretexto do tal “cancelamento” e que as ofensas repercutiram sobremaneira na esfera individual e pessoal do “cancelado”, ofendendo a honra, sua imagem, respeitabilidade e boa fama.
Nesse caso, caberá dano moral com fulcro no art. 20 do Código Civil. A imagem está inserida dentro do contexto de bem jurídico extrapatrimonial, portanto deve ser tutelado e as ofensas a esse bem devem ser rechaçadas.
Portanto, o “cancelador” poderá vir a responder civilmente pela ofensa moral a imagem de outrem.
5 – Dano material (perda de uma chance, perda de contratos, perda de empregos e outros)
E se por acaso as ofensas e fatos expostos em redes e mídias sociais, que mais tarde não se mostraram verdadeiros, acarretarem da perda do emprego ou mesmo contratos do ofendido? Caberá reparação material, meus caros.
Imagine que por conta dos fatos expostos o indivíduo vier a perder o emprego ou mesmo contratos de prestação de serviço, caberá reparação em face de quem propagou os fatos inverídicos (sem prejuízo do dano moral).
6 – Prática de crimes:
A prática de delitos, sobretudo aqueles que integram o rol dos chamados “crimes contra a honra”, tais como injúria (art. 140 do Código Penal – CP), calúnia (art. 138 do CP) e difamação (art. 139 do CP). De fato é preocupante a enxurrada de ilícitos penais que atingem a honra nas redes sociais.
Além dos delitos contra a honra, também não é incomum a prática do crime de racismo.
7 – Devemos ter consciência que a cultura e prática do cancelamento são prejudiciais
Feitas as exposições acima, apenas podemos afirmar que a ideia de cancelar deve ser abolida do nosso cotidiano, senão veremos severas inovações jurídicas, sobretudo em matéria criminal, para tentar frear certas condutas.
E isso é ruim? Entendemos que sim, afinal significa dizer que falhamos como sociedade. Falhamos no mínimo, que é conviver de forma pacífica.
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