1 – Como ocorre a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015?
A desconsideração da personalidade jurídica encontra-se regulamentada no art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015 – CPC/15.
Para fins de reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica, é necessário que o pedido seja feito nos moldes do CPC/15 e respeite o trâmite ali descrito.
Não é nenhuma novidade que a pessoa jurídica é autônoma e assim sendo possui independência patrimonial.
Isto é, criada a pessoa jurídica, esta disporá de patrimônio próprio, não se misturando ou se entrelaçando com o patrimônio de seus sócios.
Em função desta autonomia, alguns indivíduos passaram a utilizar de pessoas jurídicas para esconder seu patrimônio com o objetivo de se esquivar de suas obrigações.
Dito isso, a doutrina começou a desenvolver a tese de que deveria ser permitida a “quebra” da autonomia de pessoa jurídica em determinadas hipóteses.
Desse modo, a nossa legislação passou a admitir a quebra da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
Aqui, portanto, veremos as principais hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, bem como o rito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica presente no CPC/15.
Esta publicação seguirá a seguinte ordem:
- Fundamento legal para desconsideração da personalidade jurídica – art. 50 do CC/02
- Teorias que amparam a desconsideração da personalidade jurídica
Tabela comparativa da teoria da maior e menor da desconsideração da pessoa jurídica - Procedimento para instauração da desconsideração da personalidade jurídica – art. 133 do CPC/15
- Desconsideração inversa da personalidade jurídica – § 2º, do art. 133 do CPC/15
Boa leitura!
Obs.: Este texto foi publicado inicialmente aqui e migrado para este endereço. Fizemos atualizações no texto.
2 – Fundamento legal para desconsideração da personalidade jurídica – art. 50 do CC/02
As hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica estão amparados no art. 50 do Código Civil de 2002 – CC/02. Vejamos:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)”
Desse modo, sendo verificado “abuso da personalidade jurídica”, seja pelo “desvio de finalidade” ou pela “confusão patrimonial”, será possível que se requeira a desconsideração, isto é, a quebra da autonomia da pessoa jurídica.
E assim alcançar o patrimônio da pessoa jurídica utilizada de forma indevida, nos moldes do art. 50 do CC/02.
Em síntese, sempre que a pessoa jurídica for utilizada por seus sócios com abuso de direito, desviando sua finalidade ou com nítida confusão patrimonial, poderá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica (que não pode ser confundida com despersonalização).
2.1 – Teorias que amparam a desconsideração da personalidade jurídica:
Conforme já introduzido, a desconsideração da personalidade jurídica não é algo recente em nosso ordenamento jurídico, sendo objeto antigo de discussão.
Desse modo, é natural que exista uma ampla discussão acerca do tema.
Nesse contexto, podemos destacar as “teoria maior” e “teoria menor” da desconsideração da personalidade jurídica.
A nossa doutrina contemporânea sustenta que existem duas teses principais, melhor, duas teorias que amparam a quebra da autonomia do patrimônio da pessoa jurídica.
Conforme lições de Cristiano Chaves, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2021, p. 289), existem as seguintes teorias: Teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica e Teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica
Ainda de acordo com Cristiano Chaves, Felipe Braga Netto e Nelson Rosenvald (2021, p. 289), a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que é a regra, possui a vertente objetiva e subjetiva.
Além da doutrina, a jurisprudência sustenta que o art. 50 do CC/02 adota, melhor, reconhece a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica (STJ. REsp 1804579/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 04/05/2021).
A doutrina menor da desconsideração da personalidade jurídica, foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme § 5º, do art. 28 do códex consumerista. Vejamos:
“Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
O Superior Tribunal de Justiça – STJ, sustenta que o § 5º, do art. 28 do CDC adota a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica (STJ. REsp 1862557/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021).
2.2 – Tabela comparativa da teoria da maior e menor da desconsideração da pessoa jurídica
Portanto, podemos resumir as teorias maior e menor da desconsideração da personalidade jurídica do seguinte modo:
Teoria maior |
Teoria menor |
|
Fundamento |
Art. 50 do CC/02 (regra) |
§ 5º, do art. 28 do CDC |
Requisitos |
Abuso da personalidade jurídica: desvio de finalidade ou confusão patrimonial, Obs.: é importante destacar que o desvio de finalidade deve ser para fins de fraude (STJ. AgInt no AgInt no AREsp 1580544/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2021, DJe 19/08/2021) |
A jurisprudência do STJ entende que na hipótese do § 5º, do art. 28 do CDC basta que seja demonstrado a insolvência ou obstáculo para ressarcimento (STJ. REsp 1862557/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/06/2021, DJe 21/06/2021) |
Obs.: Existem outras possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica em legislação específica – CLT, por exemplo.
3 – Procedimento para instauração da desconsideração da personalidade jurídica – art. 133 do CPC/15:
Para fins de incidência da desconsideração da personalidade jurídica, além do cumprimento das exigências do art. 50 do CC/02 ou do § 5º, do art. 28 do CDC (ou de outra hipótese prevista em lei), é necessário que alguns legitimados, como regra, requeiram nos autos.
Naturalmente que o pleito de desconsideração da personalidade jurídica deverá respeitar o rito do art. 133 do CPC/15. Vejamos:
“Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.”
De pronto, verifica-se que são legitimados para requerer a quebra da autonomia da pessoa jurídica a parte ou o Ministério Público.
Não obstante, no art. 134 do CPC/15 observa-se que caberá a desconsideração em qualquer fase do processo, cumprimento de sentença ou de execução baseada em título extrajudicial. Vejamos:
“Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.”
Como regra, o processo em que for requerida a desconsideração da personalidade jurídica será suspenso, exceto se o pleito for, desde logo, requerido na petição inicial, conforme § 3º, do art. 134 do CPC/15.
Se o pleito de desconsideração não realizado na petição inicial, isto é, for feito no curso da demanda ou no cumprimento de sentença, o pedido será processado através de incidente processual de desconsideração da personalidade jurídica.
Quando o incidente for instaurado, ocorrerá a CITAÇÃO do sócio ou da pessoa jurídica (desconsideração inversa).
A decisão que decidir acerca da desconsideração da personalidade jurídica, se de natureza interlocutória, será recorrível através de Agravo de Instrumento (art. 136 e inciso IV, do art. 1.015, ambos do CPC/15) ou Agravo Interno (se for proferida por relator) – parágrafo único, do art. 136 do CPC/15 –, conforme o caso.
4 – Desconsideração inversa da personalidade jurídica – § 2º, do art. 133 do CPC/15:
A desconsideração da personalidade jurídica é o afastamento temporário da autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
A desconsideração inversa, que passou a ser amparada no § 2º, do art. 133 do CPC/15, e nessa hipótese ocorrerá o inverso, isto é, o sócio passa a transferir seu patrimônio para pessoa(s) jurídica(s), nas hipóteses do art. 50 do CC/02.
Vejamos a jurisprudência do STJ acerca da desconsideração inversa da personalidade jurídica:
[…] É admissível a desconsideração inversa da pessoa jurídica a fim de possibilitar a responsabilização patrimonial dessa por dívidas próprias dos sócios, quando demonstrada a confusão patrimonial e utilização abusiva. Precedentes. [….] (STJ. AgInt no AREsp 1699952/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 30/11/2020, DJe 04/12/2020).
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Bibliografia:
Farias, Cristiano Chaves de. Manual de Direito Civil – Volume Único / Cristiano Chaves de Farias, Felipe Braga Netto, Nelson Rosenvald. – 6. ed. rev, ampl. e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2021.