O direito de imagem e as mídias sociais – art. 20 do CC/02

1 – Direito de imagem e as mídias sociais: banalização da imagem e o dever de reparar na hipótese de violação:

direito de imagem e as mídias sociais

Já se tornou bastante comum a utilização de redes e mídias sociais, dos mais diversos tipos, formatos e finalidade. O que nos faz refletir acerca do direito de imagem e as mídias sociais.

Hoje, basta abrir qualquer rede social, sobretudo aquelas que se destinam a publicação de vídeos curtos e que tem como fim fazer com que viralizem, que se perceberá uma certa banalização do direito de imagem, com a trivialização da imagem alheia.

Há, de fato, uma nítida vontade coletiva de angariar seguidores e se tornar “famosinho” e não há nenhum problema com isso.

Não há mesmo, desde que as empreitadas nesse sentido não consistam em utilizar a imagem de outrem (sem autorização, claro) para tanto.

Ainda nessa linha, podemos sustentar que a palavra da década é “engajamento”.

No contexto das redes e das mídias sociais, engajamento pode ser entendido como sinônimo de aceitação, popularidade, glamour, autoridade em determinado seguimento e, principalmente, ganho financeiro.

Nos últimos anos vimos anônimos, muitos sem grandes diferenciais, se tornarem “conhecidos” em redes sociais e com isso vem o título de “influenciador” (ou “digital influencer”) e junto certo grau de fama e dinheiro, mas a troco da excessiva publicização da imagem, da vida, intimidade e privacidade. Há uma verdadeira permuta nesse sentido.

Troca-se a intimidade pelo engajamento e com isso vêm os famosos “mimos” e uma sensação de amabilidade social e, de certo modo, uma noção (ou seria falta dela?) descolada da realidade no que tange a privacidade.

Mas uma vez, não há problema em buscar a fama. Aliás, essa busca por um “lugar ao sol” não é algo novo.

A televisão e rádio já fazem isso há anos. A internet e as mídias sociais apenas democratizaram a possibilidade de ascensão social dos anônimos.

Essa possibilidade de escalada, de verdadeira elevação social, é muito atrativa, pois, no fim, todo mundo quer ser aceito em seu ciclo e se isso trouxer outras benesses, melhor ainda.

Mas há um preço. A vontade de pertencer a classe dos “influenciadores” e assim obter todas as vantagens que eventualmente poderão auferir, faz com que muitos produtores de conteúdo para mídias sociais (iniciantes ou não) ultrapassem certos limites, seja na emissão de opinião ou na utilização imprópria da imagem de outrem.

Tais excessos são facilmente perceptíveis após alguns minutos de navegação por qualquer rede social.

Recentemente, nos deparamos com um vídeo de uma pessoa que, em um shopping, viu outra que ela considerou bastante atraente, o que seria algo normal se ela não tivesse postado em uma rede social o vídeo.

A outra pessoa não fazia nada que lhe pudesse causar vergonha, mas o ponto é: existiu autorização? A questão é essa e tão somente essa.

O vídeo foi visto dezenas de milhares de vezes, gerou engajamento, angariou likes e comentários. Caso tenha sido concedida a cessão do direito de imagem, ótimo, perfeito. Mas e se não existiu o consentimento?

Há, nesse caso, dever de reparação? É o que veremos.

2 – Utilização imprópria da imagem de outrem: necessidade de cessão expressa e dever de reparar o dano em caso de violação.

 

Quando se fala em direito de imagem, logo nos vem em mente valores como intimidade, honra (objetiva e subjetiva) e vida privada. Todos direitos fundamentais e devidamente tutelados pela Constituição Federal de 1988 (CF/88), e que possuem valor extrapatrimonial.

Logo, devem ser devidamente tutelados e, na hipótese de violação, o prejuízo deve ser reparado.

O inciso V, do art. 5º da CF/88, prevê que:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;”

Portanto, é indiscutível que o uso impróprio da imagem acarreta no inescusável dever de reparação.

Indevido, no contexto do direito de imagem, deve ser entendido como a utilização sem o devido consentimento ou em desconformidade com eventual autorização anteriormente cedida.

Nem toda utilização indevida gerará dano moral, devendo que o ofendido demonstre a ocorrência de efetivo prejuízo no que tange “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”, conforme se extrai do art. 20 do Código Civil de 2002 – CC/02.

Contudo, existem situações que a jurisprudência entende que há dano presumido (in re ipsa), inclusive há súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse sentido.

Súmula 403 do STJ: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”

Outro exemplo de dano presumido é quando se utiliza a imagem de menor de forma indevida em propaganda eleitoral1.

Ainda acerca do direito de imagem, a eventualidade de captação de imagem alheia em uma situação concreta que não é possível a “identificação e a individualizada”, não constitui violação deste direito, é o que entende STJ (REsp 1.772.593-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/06/2020, DJe 19/06/2020).

Desse modo, com exceção das hipóteses de dano moral presumido (dos ressaltados acima ou outras situações), ante a infringência do art. 20 do CC/02 e dos seus elementos2, haverá ofensa a direito constitucionalmente previsto com a incidência de dano moral.

3 – Incidência de Dano moral pela imprópria utilização da imagem em rede social

Nos post em que falamos sobre a necessidade de retratação da ofensa pelos mesmos meios utilizados para propagá-la vimos um pouco sobre a dinâmica das redes sociais e seu alcance.

Não obstante, sobre a maculação do direito de imagem e com fulcro no que já foi exposto acima, é plenamente possível a condenação por dano do tipo moral em caso de utilização imprópria em rede social, desde que ocorra violação do art. 20 do CC/02.

Podemos citar, por exemplo, uma “pegadinha” bastante comum nas redes sociais que consiste na abordagem feita pelo influenciador com cantadas ou mesmo com piadas com duplo sentido. Ante a falta de consentimento expresso, seria uma situação provável de dano moral, bem como incidência do dever de reparar.

Claro que existem situações que, pelo contexto, se presume o consentimento. É bem comum que em festas, amigos postem fotos juntos, por vezes exagerando na bebida e que espontaneamente posam para a foto.

Nesse contexto, podemos presumir pelo menos duas coisas: o consentimento e certeza de que a foto irá para alguma rede social, embora também seja necessário observar o bom senso.

O STJ reconhece, a depender da situação concreta, a admissibilidade de consentimento tácito.

Direito de imagem e as mídias sociais - art. 20 do CC/02

 

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE IMAGEM. POSSIBILIDADE DE CONSENTIMENTO TÁCITO, DESDE QUE INTERPRETADO DE FORMA RESTRITA E EXCEPCIONAL. USO INDEVIDO. INDENIZAÇÃO POR MATERIAIS CONFIGURADA. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE.

[…] Em regra, para maior segurança e proteção, é exigível o consentimento expresso para o uso da imagem. Contudo, a depender da situação em concreto, admite-se o consentimento presumível, desde que, pela sua própria natureza, seja interpretado com extrema cautela, de forma restrita e excepcional. […]. (STJ. REsp 1384424/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 21/11/2016)”

4 – E no caso de influenciador, cabe dano presumido com base na súmula 403 do STJ?

OBS: Não há posicionamento jurisprudencial firme nesse sentido. Portanto, aqui é tão somente a nossa opinião e o objetivo é fomentar o debate.

Já falamos acima um pouco sobre redes sociais e a busca pelo título de digital influencer. Existem influenciadores que lucram (e muito) com a venda de publicidade, inclusive se utilizam de Pessoa Jurídica (PJ), atuando e fechando negócios jurídicos como se empresa fosse.

Na verdade, grandes influenciadores exercem verdadeira atividade empresarial, seja no ramo de publicidade, comunicação ou entretenimento.

Portanto, conforme o caso concreto, entendemos que o influenciar profissional, devendo ser compreendido como aquele que faz do uso das redes sociais como verdadeiro meio de vida, deve, mais uma vez, conforme o caso, estar sujeito a incidência da súmula 403 do STJ quando utilizar a imagem de outrem de forma indevida.

Não obstante, nas demais situações, seria a regra do art. 20 do CC/02 para fins de incidência de dano moral.

5 – Em síntese:

Nossa intenção foi apenas trazer algumas reflexões acerca do direito de imagem e sobre como este vem sendo banalizado pelas redes sociais e mídias sociais.

O direito de imagem e as mídias sociais vem levantando debates relevantes sobre o uso imagem e devemos levá-los a sério, sob pena de tornar as mídias sociais em algo ruim e tóxico (ainda mais?).

Veja mais posts em:

Pedido de levantamento de depósito judicial – art. 906 CPC

Contestação com preliminar de incompetência – art. 337 do CPC

Petição para informar endereço do réu – CPC/15

Modelo: justificativa de ausência em audiência – CPC/15

Modelo de ação de interdição – art. 747 do CPC/15

 

1 (STJ. REsp 1217422/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 30/09/2014).

2 (STJ. AgRg no AREsp 87.698/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 24/03/2015).

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