1 – O processo de impeachment no Brasil
O processo de impeachment no Brasil possui contornos que se intricam, basicamente, em discurso político (e por vezes apenas político), o que pode ser um problema como veremos logo mais.
Após a redemocratização, dois presidentes sofreram impedimento, sendo eles Dilma Rousseff (2016) e Fernando Collor (1992).
Trata-se de procedimento que sempre causa certo burburinho, sobretudo em um ambiente polarizado.
Portanto, nosso objetivo aqui é tão somente entender um pouco mais acerca do procedimento de impeachment no Brasil, com o fito de compreender sua função, base constitucional/legal e requisitos para o processamento do impedimento.
Atente-se, que aqui abordaremos o processo de impeachment do agente público ocupante do cargo de Presidente da República.
Muito embora também seja possível o impedimento de Ministros, Governadores, Prefeitos e outros, aqui abordaremos em específico o processo de impeachment do ocupante do cargo de Presidente da República.
Obs: Não faremos comentários sobre situações em específico, tais como se o atual Presidente deve sofrer impeachment ou mesmo o se impedimento da última Presidenta foi correto ou justo.
2 – Afinal, o que é impeachment?
Definir “o que é impeachment?” ou mesmo “o que é processo de impedimento?” não é uma tarefa fácil, afinal o imbróglio inicia com a necessidade de entendimento acerca da natureza do processo de impeachment (impedimento).
O procedimento de impeachment encontra respaldo em dispositivos constitucionais, dentre eles: art. 52. 85 e 86 da Constituição Federal de 1988 – CF/88, além da legislação infraconstitucional (Lei 1.079/50).
Mas afinal, o que é impeachment? Podemos dizer que se trata de ferramenta constitucionalmente prevista e que visa a apuração de infração de natureza política que se traduz em prática de crime de responsabilidade (art. 52, inciso I, da CF/88).
A natureza jurídica do impedimento, no entender de Dirley da Cunha Jr (2012, p. 1.101), é “essencialmente política”. Ainda no entender do referido autor, o intuito, a finalidade do processo de impeachment é impedir a perpetuação de condutas lesivas e contrárias a boa administração e aos interesses do país (CUNHA JR., 2012, p. 1.101).
Ainda sobre impeachment, este é um mecanismo que visa a apuração de ilícito e eventual punição de agente (no caso o chefe do executivo) que venha a incorrer em um (ou em alguns) dos denominados crimes de responsabilidade (conforme se extrai do inciso I, do art. 52 da CF).
Logo mais, veremos de modo mais detalhando o procedimento de impeachment no Brasil. Por ora, sigamos.
3 – O impeachment, essencialmente, deve ser fundado em crime de responsabilidade – art. 85 da CF/88
Conforme norma constitucional extraída do inciso I, do art. 52 da CF/88, ante o cometimento de crime de responsabilidade, competirá ao Senado processar e julgá-los.
“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99)”
Antes de prosseguir, devemos destacar que “crime de responsabilidade” é diferente de “crime” em direito penal. Conforme Pedro Lenza (2013, p. 720), compreende-se como crime de responsabilidade as “infrações político-administrativos”.
Porém, apesar disso, eventuais crimes de responsabilidade também poderão constituir crimes para fins penais.
Isto é, no caso concreto, em face do cometimento de crime de responsabilidade, o agente que praticou o impedimento também poderá sofrer sanções na esfera cível e criminal (após devido processo legal e no juízo competente – não será o Senado Federal o incumbido pelo processamento e julgamento de crimes comuns).
4 – Apuração de ato considerado como crime de responsabilidade do chefe do Executivo Federal:
Introduzido o conceito sobre crime de responsabilidade devemos, agora, debater quais condutas podem configurar crimes de responsabilidade.
Como estamos abordando o procedimento de impedimento do Chefe do Executivo Federal, quando se diz que o Presidente incorreu em crime de responsabilidade, é dizer, basicamente, que o Presidente praticou em, em tese, uma (ou mais de uma) das condutas dispostas no art. 85 da CF/88 e na Lei 1.079/50.
Vejamos:
“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
I – a existência da União;
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
V – a probidade na administração;
VI – a lei orçamentária;
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.”
O parágrafo único do art. 85 da CF/88 determina que os crimes de responsabilidade citados no incisos do artigo mencionado, deverão constar em lei especial, que também determinará normas de processamento e julgamento.
No caso, é a Lei nº 1.079/50 que versa sobre os crimes de responsabilidade e procedimento para processamento do pedido de impeachment.
5 – Procedimento do impeachment:
Não obstante, as acusações feitas em face do Presidente da República devem ser aceitas pela Câmara dos Deputados, através de dois terços dos membros (342 de 513).
Observe que qualquer pessoa do povo pode protocolar pedido de impedimento do Presidente pela eventual prática de crime de responsabilidade junto a Câmara Federal (art. 14 da Lei 1.079/50).
Prosseguindo, caso se trate de denúncia por crime comum, o feito será julgado pelo Supremo Tribunal Federal – STF.
De modo diverso, se for hipótese de crime de responsabilidade, o seu processamento (tramitação) e julgamento será de, forma privativa, feito pelo Senado Federal (art. 52, inciso I, da CF/88).
“Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”
Protocolado o processo de impeachment e sendo este admitido pela Câmara dos Deputados, o feito prosseguirá para o Senado Federal e, na hipótese de que seja efetivamente instaurado o processo, o Presidente da República será afastado de seu cargo por 180 (cento e oitenta dias).
Obviamente que no processo que apura crime de responsabilidade será concedido ao processado o direito a ampla defesa e ao contraditório, bem como o devido processo legal.
Na hipótese de o procedimento de impedimento perdurar por mais de 180 (cento e oitenta) dias, o Presidente deve ser reconduzido ao cargo, e a apuração continuará.
Para fins de condenação por crime de responsabilidade, serão necessários, no mínimo, 54 (cinquenta e quatro) votos favoráveis ao impedimento, que equivale, também, a dois terços do número total (o número total = 81 senadores)1.
Ocorrendo a condenação por crime de responsabilidade, o Presidente impedido perderá os direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos e perda do cargo, sem prejuízo de eventuais sanções judiciais (cíveis e penais, por exemplo).
Obs: No julgamento do impeachment da então Presidente Dilma, a votação do julgamento do Impeachment foi fracionada em duas, sendo uma para a perda do cargo e outra para decidir se ela ficaria inabilitada para o exercício de outro cargo público pelo período de 08 (oito) anos.
A Presidente Dilma foi condenada apenas a perda do cargo, sem a inabilitação para ocupação de outro cargo público.
A votação foi fracionado com fulcro no parágrafo único do art. 68 da Lei 1.079/50.
Particularmente, discordamos. O art. 52, parágrafo único, da CF/88, que é posterior a Lei 1.079/50, não dá margem para tal interpretação, sendo a inabilitação consequência natural do impedimento.
Portanto, entendemos que o parágrafo único do art. 68 é inconciliável com o parágrafo único do art. 52 da CF/88, não sendo, por este último, recepcionado já que afronta texto expresso da CF/88.
6 – Lei do impeachment – Lei 1.079/50:
Como já referido acima, a Lei 1.079/50, regula o processo de impeachment e dita quais atos se inserem dentro do contexto de crime de responsabilidade.
De início, devemos destacar que os atos elencados no art. 4º da Lei 1.079/50 (basicamente é a reprodução do art. 85 da CF/88), mesmo que apenas na forma tentada, constituirão crime de responsabilidade (art. 2 º, da Lei 1.079/50), punidos do mesmo modo que se consumado fosse.
Além de regular o procedimento de impeachment, a Lei 1.079/50 aprofunda cada uma das hipóteses que serão consideradas como crimes de responsabilidade.
Como por exemplo, o art. 5º da mencionada lei elenca quais atos contra a união serão considerados crimes de responsabilidade.
Portanto, nos artigos: 5º ao 12º da Lei 1.079/50, será possível encontrar, de modo expresso, quais atos serão tidos como crimes de responsabilidade.
7 – Para fixar: tabela sobre processo de impeachment
Processo de Impeachment |
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Fundamento Legal |
Constituição Federal – CF/88(arts. 52, 85 e 86) e Lei 1.079/50 |
Objetivo |
Apuração de crimes de responsabilidade (art. 85 da CF/88 e Lei 1.079/50) |
Procedimento |
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Consequências em caso de condenação |
Caso o Presidente submetido a processo de impedimento seja condenado, a consequência jurídica será a perda do cargo/função público(a) e inabilitação para ocupar cargo público pelo período de 08 (oito) anos. Obs: O parágrafo único, do art. 68 da Lei 1.079/50 prevê o fracionamento da votação. Primeiro, indaga-se se foi praticado o crime de responsabilidade e sendo a resposta positiva, se fará nova votação para decidir se o Presidente impedido ficará inabilitada para ocupar cargo público pelo período estipulado. Foi o procedimento adotado no processo de impeachment da então Presidenta Dilma. |
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Bibliografia:
CUNHA JR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. – 6ª ed. revista, ampliada e atualizada. – Salvador: JusPodivm, 2012
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado / Pedro Lenza – 17. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2013.
1 Art. 52, parágrafo único da CF/88;