Como identificar o assédio moral no ambiente de trabalho?
1 – Assédio moral e ambiente de trabalho:
Se tem algo que ainda é recorrente na vida do trabalhador brasileiro é o assédio moral no ambiente de trabalho.
A cordialidade e o respeito são características inerentes a um ambiente de trabalho saudável e próspero, porém nem todos os empregados têm a “sorte” de trabalhar em um recinto com tais características.
Apesar da relevância do tema, pode acontecer de o trabalhador não conseguir identificar eventuais abusos sofridos, seja por desconhecimento ou mesmo por acreditar que tal situação é normal e faz parte da relação empregado x trabalhador (ou trabalhador x trabalhador).
Por isso que saber como identificar o assédio moral se torna uma questão importante para impedir e reprimir a perpetuidade de comportamentos gravosos em face do trabalhador.
Não obstante, ainda existe uma crendice que o assédio moral ocorre quando o empregador é “ignorante (no sentido de ser rude, grosso, bruto)” com o empregado.
Ocorre que o assédio de natureza moral é muito mais amplo do que um mero comportamento (eventual) grosseiro (de modo abstrato e generalista) do patrão ou chefe.
O comportamento rude por si só, quando não acompanhado de outros indicativos, certamente não configurará assédio moral (o que não significa dizer que não possa ensejar dano moral – são coisas distintas – veremos logo mais).
2 – O que é assédio moral e como identificar?
Determinar um conceito fechado para assédio moral é uma tarefa difícil. Aliás, diria que é impossível, considerando que as relações trabalhistas podem ser complexas em várias camadas e aspectos.
Por conta disso, a doutrina e jurisprudência tentam elencar alguns critérios palpáveis para definir assédio no caso concreto e, assim, saber como identificá-lo.
Sobre o conceito de assédio de natureza moral, o José Cairo Jr (2015, p. 906) entende que este deve ser compreendido como um “processo deliberado de perseguição insistente, composto por atos repetitivos e prolongados”. Ainda de acordo com o referido autor, tais comportamentos devem ter como finalidade “humilhar empregado ou grupo de empregados” (2015, p, 906).
3 – De acordo com a jurisprudência, o assédio de cunho moral:
DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL. CONFIGURAÇÃO. O assédio moral se caracteriza pela presença de uma conduta discriminatória e repetitiva por parte do empregador em relação a um empregado específico, o que não ficou demonstrado nos autos. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região TRT-3 – RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA : RO 0011454-22.2016.5.03.0029 0011454-22.2016.5.03.0029. Relator convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque, Nona Turma.
3.1 – Exemplo de assédio de cunho moral (caso fictício):
Determinada empresa de transporte de cargas possui cerca de 200 funcionários (motoristas, auxiliares, mecânicos, contadores, carregadores e outros).
A empresa contratou um novo chefe de transportes que ficará responsável pela logística e planejamento das cargas e entregas, gerenciado motoristas (50), carregadores (100) e mecânicos (3 homens e 01 mulher).
Após algumas semanas, o novo chefe passou a, de forma reiterada, exigir dos mecânicos o cumprimento de atividades além das suas atribuições e também começo (de forma jocosa) a chamar os mecânicos por apelidos ofensivos.
Tal situação se repetiu durante todo o ano e os mecânicos passaram a ser vistos na empresa como chacota.
No caso acima, é perfeitamente observável a existência de assédio de natureza moral.
4 – Assédio de cunho moral é diferente de dano moral:
Vimos acima que o assédio moral deve ser habitual e ter como finalidade humilhar empregado ou grupo de empregados. O dano moral, contudo, não deve ser visto como sinônimo, mas como consequência.
Frise-se, entretanto, que o dano moral pode existir independentemente de assédio moral, uma vez que o dano moral pode restar configurado pela prática de qualquer ação ou omissão que implique em dano ao patrimônio moral do empregado (CAIRO JR, 2015, p. 889).
4.1 – Dano moral e o mero dissabor:
Para que reste configurado o dano moral é necessário que a ação ou omissão ensejadora da pretensão indenizatória tenha o condão de abalar, de forma deliberada e contundente, o patrimônio extramoral do ofendido, não bastando que o mero dissabor seja capaz de amparar uma condenação por dano moral.
4.2 – Conforme entendimento do Tribunal Superior do Trabalho:
DANO MORAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL. REEXAME DE FATOS E PROVAS (ÓBICE DA SÚMULA 126 DO TST). Esclareceu a Corte de origem que os fatos narrados na inicial não demonstravam assédio moral. A testemunha ouvida informou que a superior hierárquica era seca, mas educada.
Logo, o TRT entendeu que os fatos informados não passaram de “mero dissabor”. Constata a ausência do assédio moral, a adoção de entendimento diverso implica reexame de fatos e provas, atraindo o óbice da Súmula 126 do TST à admissibilidade do recurso de revista. Agravo não provido ” (Ag-AIRR-1445-41.2013.5.15.0071, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 07/08/2020).
Assim, mesmo que o empregador tenha uma postura ríspida, fale alto ou não seja tão “educado” assim, desde que tal comportamento seja abstrato, não habitual e que não seja direcionado, não restará configurado o dano moral.
5 – Tipos de assédio moral:
De acordo com a doutrina mais abalizada, existem três tipos de assédio moral ou espécies se preferir (CAIRO JR, 2015, p. 910), sendo elas:
5.1 – Assédio vertical descendente: é aquele praticado por superior hierárquico e tem o subordinado como ofendido.
5.2 – Assédio vertical ascendente: nessa espécie o ofensor é empregado e o ofendido é o superior hierárquico. Dificilmente se verá na vida real, mas é possível.
5.3 – Assédio horizontal: É o assédio praticado por colegas de mesma hierarquia
Saber identificar os tipos de assédio moral é mais do que necessário para compreender e evitar condutas dessa natureza.
6 – Assédio de natureza moral x assédio sexual:
O assédio de cunho moral diverge de assédio sexual. O crime de assédio sexual encontra-se previsto no art. 216-A, do Código Penal.
O assédio sexual previsto no tipo penal consiste em “constranger alguém o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual” fazendo uso de sua superioridade hierárquica ou ascendência em razão de cargo ou função.
Art. 216-A. Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. (Incluído pela Lei nº 10.224, de 15 de 2001)
Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
O assédio sexual, de forma isolada e sem um contexto de reiteração, provavelmente não terá o condão de atrair o assédio moral, podendo, contudo, ensejar a condenação por dano moral (vai depender do caso concreto).
É importante frisar, ainda, que o assédio sexual deve ser interpretado de forma restritiva no direito penal, podendo figurar como agente ativo apenas o superior hierárquico, conforme figura típica supra.
Porém, para o direito do trabalho, é possível que reste configurado o assédio sexual (no seu amplo sentido e não o da figura típica do 216-A, do CP) quando a importunação for praticada por empregado de mesma hierarquia ou de hierarquia inferior, apesar de não se amoldar a figura típica do art. 216-A, do CP.
7 – Assédio de cunho moral é crime?
Atualmente o assédio moral não é considerado crime, inclusive sequer existe norma legal conceituando o que seria assédio moral, ficando a cargo da doutrina definir seu conceito e alcance.
Vimos que o assédio moral é um “processo de perseguição” com objetivo de humilhar, rebaixar empregado ou grupo de empregados, podendo ser entendido como um “conjunto de pequenas ofensas” (CAIRO JR, 2015, p. 907).
Pois bem, no caso concreto, apesar de o assédio moral não ser considerado crime, os atos que configuram o assédio moral (objetivamente falando) podem, de forma autônoma, configurar ilícitos penais (exemplo: injúria ou difamação).
7.1 – O assédio moral deve criminalizado?
Apesar da gravidade do assédio moral, entendemos que não há necessidade criminalização do assédio moral.
O Direito Penal é ramo subsidiário do direito e como tal somente deverá incidir em face de condutas relevantes e quando os demais ramos do direito se mostrarem insuficientes, isso conforme aprendemos com o princípio de intervenção mínima.
Entendemos que a Justiça do Trabalho tem plenas condições de continuar a lidar de forma satisfatória com o assédio moral, sem a necessidade de criação de um novo crime.
No mais, as condutas que constituírem ilícito penal podem ser perfeitamente puníveis (exemplo: injúria).
7.2 – Consequências jurídicas do assédio moral:
Podemos dizer que as consequências naturais do assédio moral são a condenação por danos morais e/ou a extinção do contrato de trabalho.
O empregado vítima de assédio moral pode, com fulcro no art. 483, “b”, “d” ou mesmo “e”, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (a depender do caso), pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho.
O superior hierárquico que pratica/praticou o assédio moral, poderá sofrer demissão por justa causa, conforme art. 482, inciso I, da CLT.
Veja mais em:
Direito Penal: desistência voluntária, arrependimento eficaz e arrependimento posterior
Modelo de pedido de penhora do salário na execução de alimentos – CPC/15
Honorários Advocatícios conforme art. 85 do NCPC
Bibliografia:
CAIRO JR, José. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO: Direito Individual e Coletivo do Trabalho. – 10ª ed. revista, ampliada e atualizada. Salvador/BA: Juspodivm, 2015.
Resende, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. – 6. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.